30 out Herança digital
É de conhecimento que são inúmeros os avanços tecnológicos nos últimos tempos e, por consequência o enorme uso das mídias sociais. E nesta linha, o que é herança digital? O que são bens digitais e qual o destino pode-se dar post mortem?
Em primeiro, o que é herança? Herança é o conjunto de bens direitos e obrigações que são transmitidos aos sucessores quando o seu titular vem a óbito. São exemplos de itens que compõem a herança: carros, dinheiro, maquinários, imóveis, joias, dívidas, etc.
E a herança digital é nome dado pelos doutrinadores do Direito Sucessório, para o conjunto de contas virtuais, materiais, conteúdos, acessos e visualizações de meios digitais. Em outras palavras, são bens ou direitos utilizados, publicados ou guardados na nuvem, plataformas ou servidores virtuais.
Esses bens que fazem parte da herança digital são considerados incorpóreos, ou seja, bens abstratos que não têm existência física concreta. E dentre estes, há os com valor econômico e os sem valor econômico.São considerados com valor econômico: criptomoedas (ex: bitcoins); sites e plataformas que permitem adquirir mídias digitais como e-books, filmes e músicas através de uma conta virtual; domínios de internet; livros, músicas, filmes, podcasts; milhas aéreas; programas de pontos de Bancos pelo uso de cartão de crédito; jogos online em que os jogadores investem dinheiro na melhoria das ferramentas e das vantagens; perfis pessoais e profissionais que por conta de seu engajamento, alcance e visibilidade atraem publicidades, oferecimento de bens e serviços, dentre; e contas do YouTube, dentre outros.
Entretanto, há bens digitais insuscetíveis de valoração econômica, tais como: páginas e publicações nas redes sociais sem expressivo número de seguidores, engajamento e visualizações; contas de e-mails e senhas; interações com outras pessoas através de mensagens, áudios, etc.; e fotos, vídeos, documentos e demais bens digitais sem valor financeiro aferível.
Porém, não pode deixar de ser mencionado que o patrimônio digital e sua destinação ainda tão incerta, não só no Brasil, mas no mundo, foi objeto de preocupação até pela UNESCO. A problemática mostra-se preocupante na medida em que o mundo analógico cede cada vez mais espaço ao digital. Ocorre que apesar de muito falado, tanto os bens digitais quanto a herança digital não possuem norma brasileira específica que os regulamente, apesar de terem sido propostos, ao longo dos anos, alguns projetos de lei (PL 4.099/2012, PL 7.742/2017, PL 8.562/2017, PL 5.820/19, Projeto de Lei n. 3.051/2020), para tratar o assunto.
Nesta linha, no Brasil, não há distinção entre a herança analógica e a digital, exceto se houver uma manifestação clara, livre, em sentido em contrário. Portanto, a regra aplicável à espécie é a da sucessão universal que importa na plena transmissibilidade de bens do autor da herança, sustentando-se, ainda, nos posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários sobre o tema.
Nesse sentido, recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu o acesso de uma mãe à conta do Facebook da filha falecida ao argumento de que os direitos de personalidade são intransmissíveis. Em sentido oposto, a Corte infraconstitucional alemã, Bundesgerichtshof (BGH), equivalente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), confirmou recentemente multa aplicada ao Facebook por descumprimento de sentença no famoso caso da garota de Berlim, o leading case sobre herança digital no continente europeu.De qualquer forma, é absolutamente recomendável realizar o planejamento da destinação dos bens, designadamente dos bens digitais, diante da grande evolução tecnológica, para que através de um testamento sejam fixadas algumas disposições de última vontade, tais como: indicar quem terá acesso aos conteúdos digitais de caráter privado (bens existenciais), que integrarão a herança (fotos, correspondências, diários biográficos, v.g.) distinguindo-os daqueles que se apresentem como “extensões da privacidade” do autor da herança e, por isso mesmo, intransmissíveis.Enfim, para o planejamento sucessório seja de herança de bens digitais ou não, bem como do Testamento é preciso a contratação de um advogado especialista, a fim de que sejam dadas as orientações necessárias para o deslinde da questão, evitando-se, por vezes, uma possível judicialização.