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06 mar A inconstitucionalidade material e a irrazoabilidade do projeto de lei que permite o acesso gratuito de personal trainers às academias

A tramitação de um projeto de lei que pretende conceder acesso gratuito de personal trainers a academias e clubes privados levanta preocupações de ordem constitucional, econômica e ética.

A proposta, ao impor a obrigatoriedade de franquear o uso das instalações para esses profissionais sem qualquer contrapartida financeira, viola princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, como a livre iniciativa, o direito de propriedade e a autonomia privada.

Além de afrontar dispositivos constitucionais, a medida carrega características de imoralidade e irrazoabilidade, comprometendo a sustentabilidade dos estabelecimentos e criando um privilégio injustificado para uma categoria profissional específica.

Do ponto de vista constitucional, a proposta afronta diretamente o artigo 170 da Constituição, que estabelece que a ordem econômica se funda na livre iniciativa, e o artigo 5º, inciso XXII, que garante o direito de propriedade.

Ao determinar que academias e clubes devem permitir o acesso gratuito de personal trainers, o Estado intervém indevidamente na gestão de um empreendimento privado, restringindo o direito do proprietário de dispor livremente de seus bens e definir as condições para seu uso.

Essa ingerência estatal desconsidera a lógica do mercado e compromete a viabilidade financeira dos estabelecimentos, que investem em infraestrutura, equipamentos, segurança e manutenção para oferecer um serviço de qualidade aos seus clientes.

A imposição do uso gratuito da estrutura por terceiros sem a devida contrapartida financeira equivale a uma expropriação parcial do patrimônio do empresário, sem qualquer amparo constitucional.

Ainda sob a ótica da constitucionalidade, a proposta fere o princípio da isonomia previsto no artigo 5º, inciso I, ao criar um privilégio injustificado para os personal trainers, sem qualquer justificativa plausível que os diferencie de outros profissionais autônomos.

Se admitida essa prerrogativa, por que não conceder o mesmo benefício a massoterapeutas, fisioterapeutas ou nutricionistas que prestam serviços dentro das academias?

O critério estabelecido pelo projeto não se sustenta juridicamente, pois rompe a igualdade entre profissionais de diferentes áreas que utilizam espaços privados para suas atividades.

Além disso, a medida colide com o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, amplamente reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Permitir que personais trainers utilizem a estrutura das academias sem qualquer custo configura uma apropriação indevida de um serviço que tem um valor econômico evidente. É um equívoco tratar essa questão como um mero direito do profissional de educação física, ignorando que a atividade empresarial da academia envolve custos operacionais contínuos, como aluguel, manutenção de equipamentos, contas de energia, água, limpeza e salários de funcionários.

A gratuidade imposta pelo Estado transfere esse ônus exclusivamente para o empresário, sem qualquer compensação, o que configura uma violação ao equilíbrio contratual e à livre iniciativa.

A proposta também compromete a autonomia privada das academias, que teriam sua capacidade de gestão severamente restringida.

Hoje, muitas academias adotam critérios próprios para permitir ou não a atuação de personal trainers em suas instalações, seja por meio da cobrança de taxas de uso do espaço, seja pela limitação do número de profissionais externos que podem atuar simultaneamente.

Essas regras são estabelecidas de acordo com a realidade de cada empreendimento e fazem parte da estratégia de gestão empresarial.

A imposição legal de um acesso gratuito retira do empresário o poder de decidir sobre o uso do próprio espaço, tornando a academia um local de livre exploração para terceiros sem qualquer controle sobre quem ali atua.

Esse cenário abre precedentes para problemas graves, como disputas entre personal trainers, risco de concorrência desleal, conflitos com clientes e até mesmo espionagem corporativa entre estabelecimentos concorrentes.

A medida também fere o princípio da razoabilidade, uma vez que impõe uma obrigação desproporcional aos empresários do setor fitness.

Para ilustrar o absurdo da proposta, basta comparar com outros setores comerciais. Um cinema seria obrigado a permitir que um vendedor de pipoca atuasse dentro de suas instalações sem pagar qualquer taxa?

Um parque de diversões poderia ser compelido a permitir que um sorveteiro vendesse seus produtos dentro de seu espaço sem contrapartida financeira?

A lógica de mercado exige que aqueles que utilizam a estrutura privada de um estabelecimento para fins comerciais arquem com os custos dessa utilização.

O projeto de lei em questão desconsidera esse princípio fundamental, impondo um dever desarrazoado apenas ao segmento das academias, sem qualquer justificativa plausível para essa diferenciação.

Por fim, e não menos relevante, a proposta fere o artigo 1º, inciso IV, da Constituição, que reconhece o valor social da livre iniciativa como fundamento da República Federativa do Brasil.

A imposição de acesso gratuito para personais trainers enfraquece esse princípio ao desestimular a sustentabilidade econômica dos negócios e restringir a capacidade dos empresários de gerir seus estabelecimentos conforme suas necessidades e interesses legítimos.

Ao criar uma obrigação unilateral sem contrapartida, a medida compromete não apenas o equilíbrio econômico do setor, mas também a segurança jurídica das relações comerciais, gerando um ambiente de incerteza e desestímulo ao investimento no segmento fitness.

Uma vez descorrida sua inconstitucionalidade, imoralidade E irrazoabilidade, o reconhecimento dessas garantias constitucionais é essencial para a preservação do equilíbrio econômico e da autonomia privada, assegurando um ambiente de negócios justo e sustentável para todos os envolvidos.

Redação DMA
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